Quantos bilhões ainda vamos perder sem o gás natural?

Expandir a nossa oferta nacional de gás reduziria a dependência internacional e Brasil teria um estímulo à competição, escrevem Karine Fragoso e Fernando Montera

 

Se existem motivos econômicos para reinjeção de gás natural, existem tantos outros para a não reinjeção, cabe análise caso a caso, cenário a cenário, conveniência a conveniência.
A razão da importância desse tema se dá por um simples fato: dos 134 milhões de m³ produzidos diariamente no país, apenas 39% chegam ao mercado. Com esse volume, a depender da época, atendemos de 50% a 80% do que consumimos.
Ou seja, produzimos mais do que precisamos, mas dispomos de uma parcela aquém do que precisamos, reinjetando 50% do volume produzido.

Pagamos caro por esse cobertor curto.
E, se no poço a expectativa é de mais gás, na disponibilidade de gás interno a expectativa é de mais reinjeção.
É que o gás natural nacional não é uma commodity, não é uma mercadoria comercializada em escala mundial.

Ele só tem mercado aqui dentro do país por ser um mercado de rede, que para ser disponibilizado requer investimento na construção de infraestrutura dedicada.

Portanto, se não há expansão do escoamento e do tratamento desse gás, não há expansão da disponibilidade e da oferta interna.

Falta infraestrutura

Isto é — e é bom que fique claro –, a reinjeção é sim uma opção na falta de infraestrutura de escoamento e de tratamento. Uma opção financeiramente mais interessante, muitas vezes, na perspectiva singular da operadora. Dada a falta de transparência e a assimetria de informação nesse assunto, a discussão do que fazer para aumentar a oferta desse energético é uma pauta constante de especialistas, entusiastas e expectadores.

A baixa disponibilidade de gás natural nacional é justificada pela necessidade de utilização do produto para estimular a produção de mais óleo — produto associado e de valor agregado superior, ou seja, praticamente um insumo de produção.

Essa estratégia é conhecida e amplamente utilizada, por exemplo, pela Noruega fundamentada na receita do óleo, contudo — diferentemente deles — o Brasil opera com níveis de reinjeção muito superiores [1], mais do que o dobro em termos percentuais.

Isso, pois a nossa produção de gás é em sua maioria associada a produção de óleo. Sendo o óleo um produto de valor agregado invariavelmente superior ao gás natural, as decisões relacionadas ao gás acabam sendo balizadas pelo óleo, mesmo no cenário atual em que o gás ganha cada vez mais valor dado o seu papel na transição energética e seu aumento de demanda.GNL

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Tecnologias precisaram ser desenvolvidas para viabilizar que campos como de Tupi e Búzios mantenham taxas de reinjeção na ordem de 50% e 85%.

No caso, a solução que vem sendo amplamente divulgada é de injeção alternada entre água e gás — abreviado de WAG. Mas essa solução não resulta apenas em benefícios.

De acordo com artigo científico publicado na Revista Virtual de Química, que deixa claro a existência de riscos na aplicação desse tipo de operação e que colocam em perigo a integridade dos reservatórios e poços produtores.

Entre elas, estão: bloqueio por água, fuga de CO₂, breakthrough precoce de gás, fadiga de colunas, perda de injetividade, danos a equipamentos, dispersão (small scale mixing), segregação gravitacional, problemas geomecânicos, incrustação, corrosão, precipitação de asfaltenos e formação de hidratos [2].
Por outro lado, há expectativas quanto à entrada de novos projetos produtores de grande potencial para gás natural.
Além da expansão das áreas já em produção no pré-sal, há perspectivas positivas relacionadas aos projetos do bloco BM-C-33 e do campo de Bacalhau. Mas esses possuem prazos de entrada em produção com o primeiro gás daqui para quase o final da década.

Razões para expandir a oferta de gás natural

As razões para falarmos sobre a expansão da oferta nacional de gás natural se baseiam na possibilidade de reduzirmos nossa exposição ao mercado internacional e pelo seu papel na diversificação e na segurança energética, fazendo frente à expansão de fontes não-renováveis de energia e a intermitência por elas gerada.

Atualmente, o desenho do mercado brasileiro de gás natural está calcado na necessidade de flexibilidade de oferta para atendimento às usinas de geração de energia elétrica a gás, pois estas servem como backup do sistema elétrico em momentos de alta demanda.

Essa flexibilidade apenas pode ser fornecida por campos de gás não associado, ou seja, que produzem apenas gás ou por terminais de GNL.

No Brasil, quase a totalidade da produção de gás é associada e o GNL importado foi adotado como alternativa para fornecer essa flexibilidade demandada.

Como consequência, nos tornamos tomadores de preços internacionais, ao invés de estabelecermos o nosso preço. 

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Assim, com a expansão da nossa oferta nacional, reduziríamos a dependência internacional e teríamos um estímulo à competição entre fornecedores de gás.

Ainda nesse aspecto temos alta concentração na produção, que é de apenas um agente em perto de 75%, outra condição que afeta a construção de um mercado competitivo e maduro.

Voltando aos prejuízos da dependência externa, vale ressaltar que eles não se restringem apenas aos consumidores.

Os atrasos nos projetos que viabilizam a expansão na oferta nacional de gás, sem impacto nas curvas de produção de óleo, acabam afetando a arrecadação de receitas governamentais.

Impactos do Rota 3

Por exemplo, dado que a Rota 3 já poderia estar operando desde meados de 2020, a União, estados e municípios deixarão de arrecadar até a entrada em operação, mais de R$ 10 bilhões de reais em impostos e royalties.

Cabe ainda ressaltar que este atraso — além de elevar a reinjeção desnecessariamente — fez com o que o Brasil sofresse ainda mais com a crise hídrica de 2021.

Durante esse ano, caso a Rota 3 estivesse finalizada, em torno de 70% da importação de GNL poderia ter sido suprida por essa rota, o que também reduziria a contaminação de preço interno.

Estimular investimentos deve sempre ser um direcionador das políticas públicas, contudo é importante que os incentivos gerem benefícios ao longo de toda a cadeia de valor do mercado.

Em outras palavras, é preciso que os benefícios gerados não se restrinjam a apenas uma atividade econômica, ou a um elo da cadeia de valor.

No caso do gás natural, estimular a disponibilidade de gás precisa gerar maior investimento por parte dos produtores e alcançar, impreterivelmente, os consumidores desse gás, com impactos positivos na economia com a expansão do consumo pela decisão firme de implantação de novos projetos.

Falar de ferramentas de política pública não é trabalho simples, tem caráter de urgência e quanto menos punitivas forem, maior será o resultado para o país.

Quanto mais demorarmos, mais bilhões de reais serão injetados na forma de gás de volta em seus reservatórios.

A partir disso, poderemos falar com mais tranquilidade de diversos outros temas relacionados à pauta de transição energética e que possuem grande convergência com o gás natural, como produção de hidrogênio e a geração de energia eólica em mar.

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Referências

[1] ALMEIDA E., PRADE Y., ALMEIDA J. (org.). Flexibilidade na Indústria do Gás Natural: mecanismos e estratégias para apoiar a concorrência no mercado Brasileiro. Rio de Janeiro: Synergia, 2021.

[2] da Rosa, K. R. S. A.; Bezerra, M. C. M.; Ponzio, E. A.; Rocha, A. A. Rev. Virtual Quim., 2016, 8 (3), 723-738. Data de publicação na Web: 9 de abril de 2016. Disponível em: rvq.sbq.org.br


Karine Fragoso é Gerente de Petróleo, Gás e Naval na Firjan e Diretora Geral na Onip. É economista pós graduada em Economia e Gestão em Energia pela COPPEAD com foco em Sistemas de Distribuição de Gás Natural. Participou do programa IEL- Wharton, na Universidade da Pennsylvania para Capacitação em Estratégias e Inovação nos Negócios.

Como representante da Firjan é membro de diversos fóruns e conselhos relacionados ao mercado de Petróleo, Gás Natural e Indústria Naval. Participa da elaboração de diversos documentos de posicionamento e conteúdo para este mercado e atua como facilitadora nas negociação de atendimento, pela Firjan, às demandas das empresas locais e nacionais por soluções tecnológicas e educacionais via SENAI e SESI.

Como Superintendente Geral na Onip, representa as associadas trabalhando pela plena abertura dos mercados associados. É responsável pela secretaria executiva e administrativa, bem como por representar a Organização nos diversos ambientas desse mercado.

Fernando Montera é Coordenador de Conteúdo na Gerência de Petróleo, Gás e Naval da Firjan. Mestre em Administração pela EBAPE/FGV e economista formado pela UFRJ, possui também especialização no mercado de energia certificado pelo Programa de Ensino de Economia, Planejamento Energético e Engenharia de Produção na Indústria do Petróleo da ANP. É gestor de projetos com MBA de Gerenciamento de Projetos pelo IBMEC e faz parte do Comitê Nacional do GNV na função de Diretor-Secretário.

Na Firjan, atua na coordenação dos estudos, notas técnicas e posicionamentos da empresa para os mercados de petróleo, gás natural e naval e assessora tecnicamente o Conselho Empresarial de Petróleo e Gás da Firjan. Iniciou sua carreira profissional como analista com ênfase no mercado de gás de natural na consultoria Gas Energy.

Fonte: EPBR

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